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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O casamento do nazismo com a escravidão no Brasil, por Marcos Sacramento

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A história do país é cheia de episódios indigestos, que não viram enredo de escolas de samba ou pretexto para as aventuras da Glória Maria no Globo repórter.
Mas uma vez ou outra surge um documentário para invocar fantasmas do passado, como “Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil”, de Belisario Franca, lançado no mês passado e em exibição em Florianópolis, Niterói, Rio de Janeiro, Santos e Vitória.
Baseado na tese de doutorado do historiador Sidney Aguilar Filho pela Unicamp, o trabalho conta a história de 50 crianças órfãs levadas do Educandário Romão de Mattos Duarte, no Rio de Janeiro, para uma propriedade rural no interior de São Paulo, onde foram submetidas a trabalho escravo.
O traslado sinistro ocorreu nos primeiros anos da década de 1930. Iludidos com a promessa de que iriam viver em um lugar onde poderiam brincar e estudar livremente, os meninos, a maioria negros, foram levados de trem para a fazenda Cruzeiro do Sul, em Campina do Monte Alegre, pertencente à rica e influente família Rocha Miranda.
Alguns membros dessa família, segundo o documentário, nutriam simpatia pelas ideias de Adolf Hitler e participavam da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de extrema-direita liderado por Plínio Salgado com fortes influências do fascismo italiano.
Apesar de soar absurdo hoje, tal alinhamento não era uma degenerescência entre as elites brasileiras numa época em que as teorias de eugenia estavam entranhadas na sociedade.
Eram os primeiros anos do governo Vargas, com inspirações fascistas e laços estreitos com a Alemanha nazista. A seção do partido Nacional Socialista mantida no país era considerada a maior fora da Europa.
Foram justamente os laços dos Rocha Miranda com o nazismo que levaram Aguilar aos meninos escravizados. Em 1998, ao dar uma aula de História para uma turma de ensino médio, o professor foi interpelado por uma aluna que falou de uns tijolos com desenhos de suásticas encontrados em um casarão abandonado na fazenda da família.
Aguilar ficou intrigado com a história e foi a campo em busca de mais informações até que descobriu a história dos meninos retirados do orfanato. Para a maioria deles, a liberdade só chegou em 1942, quando o Brasil cortou relações com a Alemanha e os símbolos nazistas passaram a ser proibidos.
Bandeiras e documentos foram destruídos. O gado de raça, marcado com suásticas, foi desprezado pelo mercado e deixado no pasto até envelhecer.
O senhor Aloysio da Silva, o “Menino 23”, é um dos dois únicos órfãos entrevistados no documentário. Segundo lembra, certo dia eles foram reunidos sem explicações e em seguida liberados da fazenda. Deixados à própria sorte, seguiram sem rumo pela linha do trem.
Houve quem se perdesse pelas ruas ou sucumbisse ao alcoolismo. Os mais sortudos conseguiram subempregos. Era a repetição em menor escala do que acontecera 50 anos antes, quando os negros saíram da escravidão sem receber a mínima assistência do Estado.
A família Rocha Miranda nega que tenha existido trabalho escravo e se defende com um blog, onde dá as suas versões dos fatos. Há um vídeo no Youtube onde um dos descendentes, Maurício Rocha Miranda, coleta depoimentos de antigos moradores da cidade refutando qualquer indício de abusos na fazenda Cruzeiro do Sul.
Por outro lado, a tese de Aguilar foi aprovada “incondicionalmente e por unanimidade” e premiada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
De acordo com o documentário, Maurício Rocha Miranda foi procurado para dar o seu depoimento, porém teria se recusado a participar.

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