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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

O CRACHÁ, por ALEXANDRE MEIRA (Conto)

           

Fitava-a há semanas. Dias de condor, selecionada a presa, era só alçar o rasante.

Não demorou para que a visse novamente no escritório. Fichários, crachás e documentos, as salas fervilhavam ao gosto do marasmo.

Era só cercá-la, em um canto, em um corredor. Era tão certo quanto assinar o ponto na saída, quanto a sede da vagina.

Logo ela passou por mim. Fez que não viu, mas era o código, era a lenha. Entre cumprimentos e telefonemas ela passou por mim, sim, e ainda pude ver o seu decote. Ousado decote.

A gravata me apertava, a hora demorava a passar.  Assinaturas sem capricho me levavam entre termos, despachos, entre leituras rápidas e goles de café. Ousado decote.

Poucos a conheciam, mas muito se falava à boca miúda. Mulher discreta, mas de sorrisos, de batom vermelho forte, de cheiro e gosto. Nossos poucos encontros e nossas poucas frases, eram a sede do outro dia, eram a ereção durante a noite. Eram o sabor da carne.

"Ela tá te dando mole!" disse o invejoso, quando a viu me olhar por mais de um momento. Ela estava sim... Ela está.

Dispensei a estagiária mais cedo, menina nova..., mas... muito nova.

Quatro e meia. Faltava pouco para o dia morrer no escritório, para as luzes sumirem e esconderem as salas.

Ela passava sempre às cinco. Sempre. Sei por que marquei... ela sempre olhava cá para dentro, e me via olhando para ela. Sempre. Às vezes dava um tchau bobo. Às vezes só olhava, mas que olhar... olhar de Lilith... olhar de vontade.

Como era nova no escritório, era caxias demais, queria ser a última a sair. E eu... também.

Cinco e cinco, puta que pariu, não agüentei. Fui até o corredor. A sala dela ainda estava com a luz acesa.

Voltei. Ajeitei o crachá e a gravata. Chefe. Era pra dar uma presença.

Hoje. Tinha que ser hoje. Sexta-feira, sempre rola o chope da galera, mas não fui. Os outros caras ficaram me sacaneando. Rir por último, sempre.

Cinco e dez.

As batidas do salto me alertaram. Corri para porta da sala, quando a surpreendi de frente no corredor. "Me assustou" disse ela entre um sorriso. "Saindo tarde..." brinquei olhando para a sua boca. Que boca.

Acompanhei-a até o elevador. Ajeitei novamente o terno com estilo. O crachá, também com estilo. Saia justa, meia calça, blusa apertada sob o blazer, e o decote. O cabelo solto e o cheiro me trouxeram pra perto. A espera do elevador, olhamo-nos sem dizer nada por alguns segundos. Ela riu. Ri também. Só enxergava aquela boca.

O rosto definido e sua bela voz rouca estavam ali. Na minha frente. "Não me olhe assim...", brinquei. Ela riu. O elevador chegou. Ela realmente estava me dando mole.

Entramos. A porta fechou e eu a travei, truque de elevador manual. Ela riu e disse que tinha medo de elevador, tirando o blazer.

Era o rasante. Trouxe-a contra meu peito. Beijei a boca com toda a língua, com todo gosto, com toda aquela tarde. Ela beijava e me apertava, esfregava. O batom sumiu do lábio, e desabotoando minha camisa, sorvi-lhe o pescoço, a nuca, o colo, tudo que havia.

Tinha tanta fome quanto eu. Tinha mais, sede, tanta quanto a minha.  Degustávamos ali, onde só nós sabíamos. Lembrei da galera do chope.

Seios descobertos, o sutiã era o último limite. Ultrapassei-o com o sabor forte daquele perfume. Eram bons, diferentes, mas muito bons.

Minutos nos levavam, quando esbarrei na sua mão, travando a minha, diante do fecho de sua saia. O seu sorriso. Olhava para mim dizendo "que pressa?!"

Acariciou-me o peito, esbarrando no crachá. Leu. E rindo surpresa, perguntou-me rouca:

- José Carlos?!

Respondi beijando-lhe o pescoço, sentindo-a inteira com minhas mãos. Pensava onde poderia terminar aquela noite, onde a mão dela não mais seria o limite do fecho da saia. Suas coxas. Estava louco. Estava bêbado.

A chave do carro, o dinheiro, tudo a favor. Apertando-lhe, sorri. Como se chamaria aquela noite?

Mais controlado. Abotoei a blusa, e antes de perguntar-lhe aonde iríamos, indaguei tirando o crachá:

- Mas, e o seu nome? Até hoje não descobri...

Respondeu-me seca e nos olhos:

- Tá no seu crachá, meu amor, o mesmo que o seu...

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