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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Os cabeças de planilha jogam a toalha, mas preservam os frutos, por Luis Nassif.


Durante vinte anos apontei as loucuras da política monetária do Banco Central, consolidada a partir do plano Real. Os arquivos da Folha estão repletos de colunas minhas apontando as inconsistências teóricas e práticas.
Aliás, na pesquisa me dei conta de que, apesar dos artigos não terem sido banidos dos arquivos da Folha, Otávio Frias Filho cometeu a mesquinharia de retirar meu nome de todos os índices diários de matérias do jornal.
No livro “Os Cabeças de Planilha” procurei mostrar – com base na semelhança histórica do Encilhamento – como o conjunto de teorias levantadas pelos economistas visava, no fundo, consolidar um novo tipo de poder (o financeiro) e contribuir para o enriquecimento pessoal dos economistas, à custa de custos enormes impostos ao país.
Prossegui nessa cruzada em inúmeros artigos aqui no Blog.
Em todos os momentos, sobressaiu a figura de André Lara Rezende, o mais brilhante dos economistas do Real, responsável maior pela política de remonetização da moeda, apesar de fora do governo na época – já estava em sua distribuidora formando uma fortuna considerável.
Em maio de 1995 – em pleno Real – passei a alertar para a quebradeira que estava a caminho, devido às políticas monetária e cambial do Banco Central. Viajava muito em palestras, e em todos os cantos vinham pequenos e médios empresários assustados com a queda das vendas.
Nas reuniões do Conselho da Folha alertei que a crise era dura. Otávio Frias procurou se acalmar. Disse que tinha conversado com o Ministro da Fazenda Pedro Malan e que no máximo o crescimento do PIB seria reduzido em 1 ponto percentual.
Propus um desafio: colocar algum repórter para telefonar para várias prefeituras do interior, escolhidas aleatoriamente, e perguntar sobre a crise. À noite, no interior do estado do Rio, para uma palestra, recebo telefonema de Frias, assustado. O quadro levantado confirmava, de fato, o tamanho da vaga recessiva que vinha pela frente.
Nesse ínterim, André entra na discussão.
No dia 22 de maio de 1995, no artigo “Os gurus e a retórica da meia lógica”( https://goo.gl/kQrJGW) critiquei duramente uma entrevista dele concedida à Folha:
Em pouco tempo a manutenção dessa taxa de juros inviabilizará definitivamente o ajuste fiscal e rapidamente tornará o passivo público superior ao conjunto de estatais a serem privatizadas. E começará a se refletir rapidamente na arrecadação fiscal. É só conferir como será a arrecadação de maio e junho.
A médio prazo, essa política não só não resolve, como aprofunda e inviabiliza qualquer ajuste fiscal futuro.
No plano da balança comercial, a manutenção desses juros dizimará o que restou de exportações de manufaturados. (...) Até agora as exportações de manufaturados não desabaram completamente porque muitas empresas resolveram bancar o prejuízo por algum tempo, para não perderem mercado lá fora, enquanto aguardavam a reversão dessa loucura.
Com o acréscimo adicional de custos, provocado por essas taxas malucas, e perdendo a esperança de uma reviravolta a curto prazo no cenário, a queda das exportações de manufaturados passará a ser geométrica, com todo o componente de quebradeira e desemprego. Em outros tempos, tinha-se recessão interna, mas mantinha-se aberta a porta externa, minimizando seus efeitos. Agora, não. É veneno na veia, direto.
(...) Se se mantém a atual política monetária e a atual banda cambial, ganham-se alguns meses a mais de inflação baixa. E só. Em contrapartida, joga-se o país em recessão profunda, aborta-se o movimento de modernização registrado pela economia nos últimos anos, destrói-se a estrutura de exportações de manufaturados e inviabiliza-se qualquer tentativa futura de ajuste fiscal. Saque direto contra o futuro.
Como subproduto, dizima-se a estrutura produtiva, abrindo espaço para que esses bancos de negócios, montados em dinheiro externo, e com suas engenharias financeiras, entrem adquirindo companhias industriais grandes a preço de banana, financiando-se nas taxas pagas pelos títulos públicos. Pequenas e médias vão direto para a lata de lixo.
No dia seguinte, na Folha, sob o título “Festival” (https://goo.gl/JBIAHJ), André procurou desqualificar as críticas, por não estarem substanciadas nos estudos acadêmicos, mas em meras observações empíricas:
“O ``policy entrepreneur" dá aparência de respeitabilidade conceitual a demandas políticas de grupos de interesses. Sua argumentação segue uma linha mestra: procura desqualificar o que preconiza a boa teoria por serem raciocínios acadêmicos, que desconhecem a vida prática, a realidade. Jogam com um preconceito tão profundamente arraigado quanto ignorante -mas de eterno apelo para os homens práticos- de que o teórico é um sonhador desligado da realidade. ``Homens práticos, que se crêem livres de toda influência intelectual, são geralmente escravos de algum economista defunto". Sábio Lord Keynes”.
“Em economia, traçar a linha divisória entre as idéias sérias e a pseudociência é muito mais difícil do que nas ciências exatas. Existe um campo fértil para a formulação de doutrinas que são pura expressão de preconceitos populares, façam eles sentido ou não. A demanda por teses politicamente vendáveis é particularmente intensa em períodos de crise. Como viemos de uma década de sérias dificuldades, temos sido um prato cheio para a ação dos vendedores de idéias e planos.
Mas nos últimos dias, confesso, há muito não ouço e leio tal festival de bobagens conceituais vendidas como a realidade prática em oposição à inflexibilidade acadêmica”. 
Em 26 de maio de 1995, com o artigo “D. Sebastião e a reunião de Carajás” (https://goo.gl/mHaEC6) rebati:
“Hoje há uma multidão de neo-sebastianistas -basicamente lotados na imprensa- que acredita piamente que, dia desses, um economista yuppie descerá diretamente de Carajás, em seu Porsche de corrida, para preparar a revanche do Cruzado.
A grande maldição dos anos 80 não foi Sarney, nem a classe política. Foi a superficialidade dos pacotes econômicos e a mística que envolveu os pacoteiros.
(...)Quando se preparou a troca de moedas do real, todas as avaliações indicavam que se tinha o melhor conjunto de circunstâncias favoráveis na economia para um plano de estabilização. Confira:
1) Maior nível de reservas cambiais da história -possível apenas depois que o economista Ibrahim Eris reformulou a política cambial brasileira. 2) Uma economia aberta e superavitária -a partir da reestruturação do comércio exterior e de um programa de abertura planejada da economia. 3) Uma economia desregulamentada -depois do fim da reserva de mercados e de um sem-número de restrições à livre competição. 4) Empresas brasileiras reestruturadas e ingressando firmemente em projetos de modernização -processo iniciado com o Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e com as câmaras setoriais. 5) Programas de investimento em quase todos os setores -assegurados pela manutenção das regras do jogo por quatro anos. 6) Relativo consenso sobre reformas fundamentais. 7) Equacionamento da dívida interna, ainda que às custas da violência do bloqueio dos cruzados.
Com toda essa enorme agenda, em 20 anos tudo o que nossos gurus lograram produzir foram estudos recorrentes sobre troca de moedas -a parte mais espetaculosa e superficial de um plano.

Com apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tem-se: 1) O país em nova crise cambial. 2) A volta de alíquotas superprotetoras em muitos setores. 3) Crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal. 4) Uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos.
Mesmo assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.
Todo o ouro de Carajás não vai pagar o custo dessa aventura.

A revisão acadêmica

Vinte anos de juros elevadíssimos promoveram o mais profundo processo de concentração econômica da história, que praticamente consumiu todos os excedentes orçamentários que poderiam ter sido investidos na infraestrutura, em educação, saúde, na economia real. A diferença entre o Brasil que é e a potência que poderia ter sido está nos trilhões desviados do orçamento para pagamento de juros.
E, agora, o principal formulador das políticas monetária e cambial do plano Real, André, escreve um artigo em tom acadêmico aceitando que todas as críticas contra essa loucura estavam corretas. Em “Juros e conservadorismo intelectual” (https://goo.gl/QJOdjT) dá a mão à palmatória, trata como mero conservadorismo acadêmico erros intencionais que praticamente destruíram o futuro do país. E traz as últimas novidades da teoria econômica:
·      Taxas de juros elevada não combate inflação, pelo contrário: além de não afetar a demanda, sinaliza para o mercado que o Banco Central está apostando em inflação mais elevada.
·      Taxas de juros elevadas pressionam as contas públicas, aumentam o déficit nominal, obrigando o governo a cortar mais ainda as despesas primárias e, desse modo, impactando o nível de atividade; do outro lado atraem dólares apreciando o câmbio e reduzindo preços de importados, à custa de desequilíbrios de monta nas contas externas. Assim, o controle da inflação se faria de forma torta, com enormes sequelas na economia.
·      Taxa de juros mais baixa não é inflacionária. Essa conclusão tardia do André – fundada nas últimas “descobertas” da fronteira do conhecimento econômico – derrubam essa baboseira de que Dilma Rousseff derrubou a taxa de juros sem ter condições e isso provocou mais inflação.

As constatações empíricas

No artigo “O padrão sangria na política Monetária” (https://goo.gl/JUQ9g5) de 3 de fevereiro de 2012, aqui no Blog, mostrava que era mínimo o efeito da política monetária sobre a demanda através do mercado de crédito.
“Por exemplo, um bem de R$ 1.000,00, por 36 meses a taxa de 3% ao mês (42,6% ao ano) resultará em uma prestação de R$ 45,80. Um aumento de 1 ponto na Selic (que provoca comoção nacional), se repassado para o financiamento, resultará em uma prestação de R$ 46,21. Um aumento de 3 pontos na Selic anual resultará em uma prestação de R$ 47,03. Pergunto: impactará a decisão de compra do consumidor? Evidente que não. Portanto, o efeito do canal de crédito é inexpressivo”.
Também era mínimo o efeito sobre o custo dos estoques das empresas. Tão pequeno que elas repassariam o custo para o produto final, a manteriam os estoques no mesmo nível:
Por outro lado, mostrava um efeito perverso sobre a oferta (o aumento de investimentos):
“Suponha um investimento de R$ 1 milhão, com uma taxa anual de retorno de 10% e um prazo de 10 anos para amortização. O fluxo de caixa terá que ser de R$ 162,7 mil por ano para amortizar o investimento em 10 anos (sem considerar o valor residual). Se a taxa aumenta 3 pontos, o prazo de retorno aumenta para 14 anos. É evidente que ocorre um corte em todos os investimentos que proporcionem um retorno inferior.
É uma lógica maluca. A política monetária atua sobre a demanda visando corrigir o descompasso com a oferta. Em vez de aumentar a oferta, a política monetária a reduz, através da inibição dos investimentos.
Só o país da jabuticaba para aceitar essa lógica”.
Finalmente, impactava tremendamente os investimentos públicos:
“Aumenta a Selic. Há uma pressão adicional sobre as contas públicas e sobre a relação dívida/PIB. Para contrabalançar, exige-se um aumento do superávit primário. Cortam-se investimentos públicos e, com isso, reduz-se a demanda agregada.
Depois, alega-se que o país não pode crescer (e tome juros altos para segurar o crescimento) porque não tem infraestrutura adequada”.
No dia seguinte, no artigo “A ficção da política monetária”(3/02/2012) (https://goo.gl/OvTxKc) analiso o impacto da Selic sobre os estoques das empresas. Mostrava mostrava que cada ponto da Selic (que tem um impacto de quase R$ 100 bilhões no orçamento público) impactaria em 0,1% o custo final do produto, variação ínfima.
No artigo “Para entender a planilha do BC” (29/02/2012) (https://goo.gl/bKDOmW) mostro a irracionalidade do mercado tentando calcular a taxa de juros de equilíbrio (aquela que manteria os preços equilibrados) e o conceito do PIB potencial (o crescimento possível, dadas as vulnerabilidades da economia)
“Quais seriam os mecanismos que estabeleceriam essa correlação entre Selic e PIB potencial ou Selic e metas inflacionárias?
Se existirem, são os mais tortos possíveis, um método que, na medicina, poderia ser comparado às velhas sangrias para reduzir a pressão do doente.
Assim:
1. O PIB está supostamente crescendo acima do PIB potencial. Isto é, a produção interna está acima da capacidade produtiva.
2. Aumenta-se a Selic.
3. O único efeito da Selic é reduzir os investimentos privados. Então, em vez de aumentar a oferta para equilibrar a oferta com a demanda, faz-se o contrário: um movimento para derrubar a demanda através da redução dos investimentos, que poderiam garantir a melhoria do PIB potencial. Desestimula-se o investimento produtivo para reduzir a demanda imediata - método mais anacrônico que a sangria.
Um segundo processo, mais daninho ainda, é o seguinte:
1. Aumenta-se a Selic. Com isso há um aumento da dívida pública, dos juros a serem pagos, exigindo maior superávit primário para contrabalançar.
2. Para aumentar o superávit, o governo corta despesas com saúde, educação, com investimento. Com isso, derrubam a atividade produtiva, desaquecendo a economia.
Se esses dois movimentos fossem explicados nos Estados Unidos ou na Alemanha, seriam motivo de risos”.
No Brasil, a tragédia não provoca risos. Agora, André joga fora as velhas ideias. Mas conserva os ricos frutos da árvore envenenada.

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