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terça-feira, 14 de novembro de 2017

A quem interessa a onda de intolerância religiosa que sacode o Brasil?, por Juan Arias.


Terreiro de Candomblé incendiado.

Brasil está destruindo um dos seus maiores valores, sua proverbial tolerância religiosa e a coexistência pacífica entre as diferentes confissões. A quem interessa essa onda iconoclasta que - como este jornal publicou - cresceu 4.960% em apenas cinco anos, que registra uma denúncia de hostilidade ou profanação de locais de culto e pessoas que os dirigem a cada 15 horas?




Os mais perseguidos são os locais de culto das religiões de matriz africana, mas também atinge templos católicos e protestantes, igrejas evangélicas, centros espíritas e sinagogas judaicas. Imagens de orixás são queimadas, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida é destruída a golpes de martelo, os sacrários das igrejas católicas são violados e as hóstias consagradas são jogadas no chão e nem os cemitérios são respeitados.
Estamos diante de um fato novo e é urgente descobrir o que se esconde por trás dessa nova guerra contra o sagrado. Que a um Brasil atravessado por uma perigosa corrente de ódio político e social se queira acrescentar a intolerância e a agressão física aos símbolos e pessoas religiosas poderia ser a última etapa da barbárie. A tolerância e a riqueza de entidades religiosas convivendo em paz neste país foi resultado da feliz conjunção histórica do encontro de três crenças trazidas pelos três povos que engendraram o Brasil: a indígena, a cristã - contribuição dos europeus -, e a africana, dos quatro milhões de escravos.
O longo e perigoso trabalho realizado pelas diferentes crenças religiosas para defender seus deuses produziu o milagre do sincretismo pacífico. Não foi realizado sem dor, mas o Brasil conseguiu manter a essência das três raízes espirituais caminhando juntas e até misturadas, dando vida a uma riqueza religiosa e cultural talvez única no mundo.
Isso fez com que o Brasil fosse um dos países mais permeados pelo sagrado e, de acordo com muitos estudiosos das religiões, com uma diferença significativa, pois colocou o sagrado no coração da vida para libertá-la dos medos das religiões monoteístas injetando doses de felicidade e amor pela Terra e pela vida, a de carne e osso.
Foram as crenças africanas que ajudaram os brasileiros a ver, por exemplo, com novos olhos, não só a vida, mas também o seu fim, pois nelas os mortos, como escreveu o poeta senegalês Birago Diop, “não estão sob a terra, eles estão na árvore que geme”. Eles continuam vivos e ao nosso lado para nos proteger.
Triste paradoxo o de que um Brasil fazendo terrorismo com as crenças religiosas de origem africana quando elas começam a ser importadas pelo Ocidente racionalista. A mãe de santo alemã Gabriela Hilgest confessou, por exemplo, à minha colega Carla Jiménez, que os brasileiros “são espiritualmente mais desenvolvidos do que os alemães”.
Hoje é possível ser crente, agnóstico ou ateu, mas queiramos ou não, é impossível evitar a pergunta de por que se morre, que segundo os especialistas foi a origem de todas as religiões. O Nobel de Literatura, o ateu José Saramago, disse que se os homens deixassem de morrer, as religiões acabariam. Mas continuamos morrendo, e as crenças, todas elas, com suas luzes e sombras, com seus símbolos sagrados e credos diferentes, nos lembram que a vida continuará atravessada pela dúvida, já que ninguém ainda resolveu o enigma do além.
Existem símbolos e arquétipos como os da vida e da morte, da mãe terra ou do sagrado, que, se não forem respeitados, deslizaremos para uma nova barbárie tão perigosa, se cabe a expressão, quanto a política ou a social. Somente os animais não têm cemitérios nem rendem cultos a seus mortos, embora pareça que os elefantes se afastem para morrer em um lugar especial para isso. Perseguir ou desprezar qualquer tipo de busca espiritual é querer apagar com violência a curiosidade, e talvez a necessidade, que o homem continua tendo pelo mistério.

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