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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Quarteto em si de direita inexperiente, por Marcus Ianoni.















Muitos analistas da política têm observado que as eleições presidenciais de 2018 (se efetivamente ocorrerem) tendem a reproduzir, no primeiro turno, a mesma fragmentação verificada em 1989, quando Collor e Lula, dois opositores ao governo Sarney, chegaram ao segundo turno, após uma disputa entre nada menos que 22 candidatos. Tanto naquele pleito como no que se aproxima, a conjuntura, elemento sempre imprescindível para a compreensão da política como processo, ajuda a entender a fragmentação e o que está em jogo. 
Destacaria um denominador comum a ambos os contextos: a crise política e econômica. Em 1989, o país se encontrava no final da "década perdida", marcada por crescimento baixo e crise inflacionária crônica. O nacional-desenvolvimentismo agonizava e o parto consensual e normal (distinto do feito por fórceps ou cirurgia) da alternativa neoliberal no Brasil, em ascensão no mundo, estava difícil. Mas a democracia havia saído fortalecida do processo Constituinte, encerrado em outubro de 1988. As demandas da sociedade civil sobre a sociedade política pululavam. Sarney foi o saco de pancadas de quase todos os candidatos, a começar por Collor, Lula e Brizola. Os competidores do PMDB e PFL, fiadores da Aliança Democrática, desfeita após o colapso do Plano Cruzado, se saíram muito mal no primeiro turno. O collorido vencedor do pleito era, até então, um político menor, jovem e sem base partidária.
Hoje, a alternativa neoliberal, mais configurada nos anos FHC, e flexibilizada nos governos Lula e Dilma, retornou com força à agenda pública, mas não por demanda do eleitorado ou pela construção democrática do consenso, como se deu no processo político do Plano Real, e sim parida por um golpe de Estado elitista de novo tipo, que, não ocasionalmente, adequou-se aos interesses políticos dos grandes investidores, os agentes poderosos dos mercados, ansiosos por reformas legais e institucionais direcionadas para o Estado mínimo.
Mas vem chegando 2018. Além de o mercado ser sensível à sucessão presidencial,  o futuro da "Ponte para o Futuro" é incerto. Este é um dos motivos do processo de fragmentação atual, no qual pode-se destacar um quarteto em si de direita, a vertente HDMB (Huck, Dória, Meirelles, Bolsonaro): todos inexperientes ou muito pouco experimentados na competição política e na política partidária. A experiência de Dória como prefeito recém-eleito e liderança partidária é residual.
Além de debutantes na política eleitoral para a presidência da República, eles compartilham a mercadofilia, por iniciativa do guru-mercado ou por se renderem a ele, ao fim e ao cabo, como parece ser o caso do capitão reservado e pouco discreto Bolsonaro, defensor, até um passado recente, de medidas nacionalistas na economia. Um terceiro elemento é o não envolvimento dessas pessoas com as investigações da Lava Jato. A emergência da diáspora da direita tem a ver também com a crise geral dos partidos no Brasil, especialmente com seu impacto sobre a agremiação até então orgânica do mercado financeiro, o PSDB. Finalmente, mas de estratégica importância para impedir a indesejada ponte para o passado, na perspectiva dos conservadores, a necessidade de um anti-Lula (líder isolado nas pesquisas sobre cenários eleitorais de 2018) induz ao aventureirismo, como é o caso da eventual candidatura do animador de auditório Luciano Huck. Enfim, o mercado busca um presidenciável de direita e vice-versa.
Já se falou em Joaquim Barbosa, Sérgio Moro e no candidato avulso Modesto Carvalhosa (o que depende de posicionamento do STF sobre sua constitucionalidade). Os casos de Alckmin (PSDB) e Marina (Rede) são diferentes, por serem políticos experientes, vinculados a partidos. Há candidatáveis também como o senador Álvaro Dias (Podemos). Todos os citados compõem o que pode ser considerado como a “direita-do-centro”, assim como três nomes da vertente HDMB, propensa a cair de quatro perante o eleitorado, exceto Bolsonaro, mais do tipo puro sangue, adestrado cão raivoso pró-direitismo e o melhor posicionado, até aqui, para enfrentar o temido Lula. "Tem muita gente mais preparada do que eu, mas no Brasil hoje o pessoal está alvejado”, disse o pitbull em Nova York. Ou seja, o mercado mira 2018 posicionado da extrema-direita à direita-do-centro. Todos os mencionados também apoiaram o arremedo de impeachment, menos Joaquim Barbosa.
Dória vinha sendo paparicado por Temer e pelo DEM. Mas seu desempenho político pouco entusiasmante parece desaconselhar grande investimento nessa margarinosa alternativa doriana. Daí alguns atores do mercado e dos partidos da direita (DEM) tirarem da manga do colete a carta com a figura do incrível Huck (versão tropical, apelativa e quixotesca do super-herói da TV, o Hulk?), que  entraria com toda a sua fúria de mercador do Estado mínimo, disfarçada em sorrisos para a almejada plateia, nos rincões nordestinos, onde Lula reina absoluto. Seria ouvido? Duvidoso. Ele não é cristão e os evangélicos, com as asas soltas, andam em briga com a Globo.
Meirelles é o ministro forte da Fazenda, queridinho do mercado, experiente na função técnica (embora nem todo empresário produtivo o admire). Mas nunca disputou a presidência (embora FHC e Dilma se elegeram na primeira vez que disputaram) e não é homem experimentado na política partidária. O PSD tem lhe oferecido a legenda para 2018. No entanto, outro problema complicado desse “homem econômico” é o déficit de carisma.
Enfim, há uma luta figadal do mercado contra qualquer ameaça de modelo de capitalismo que busque equacionar de maneira mais socialmente inclusiva, nacional e democrática as relações entre Estado (política) e economia. Embora o pior da crise econômica esteja passando, a crise de legitimidade do sistema representativo democrático atinge em cheios as instituições políticas. O eleitorado está muito insatisfeito. A fragmentação partidária rola solta e os agentes de mercado, por ora, estão preocupados e apelando, talvez, para alternativas arriscadas no primeiro turno de 2018, na ânsia de alcançar um bom nome para continuar salvando a lavoura neoliberal contra a ameaça da praga petista.
* Marcus Ianoni é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do INCT-PPED, realizou estágio de pós-doutorado na Universidade de Oxford e estuda as relações entre Política e Economia

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