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quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Diálogo das Coreias: o que está sobre a mesa. E sob ela também, por João Paulo Charleaux.

oto: Jung Yeon-Je/Reuters - 27.07.2017
Coreia do Norte
Militares norte-coreanos na Zona Desmilitarizada de fronteira  
Representantes dos governos da Coreia do Norte e da Coreia do Sul darão início nesta terça-feira (9) a uma rodada de diálogo na cidade de Panmunjom, na zona desmilitarizada que, desde a década de 1950, separa os dois países.
O encontro – o primeiro deste tipo em dois anos – é visto como uma promissora janela de oportunidade para abrir um caminho que possa levar ao fim da tensão nuclear que domina o sudeste asiático.
A Península Coreana foi dominada pelo Japão de 1910 a 1945. Após a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos passaram a controlar o norte, comunista, e os EUA, o sul, capitalista. Coreanos das duas partes se engajaram numa guerra por procuração entre 1950 e 1953. A separação persiste até hoje, com os dois lados vivendo uma situação formal de “armistício”, que é a suspensão das hostilidades, mas não de paz definitiva.
As raízes do programa nuclear norte-coreano, que tanto preocupa o mundo todo, vêm de 1962, quando o país começou a desenvolver essa tecnologia, com apoio soviético e chinês. Em 1986, a Coreia do Norte construiu sua primeira usina nuclear e, entre os anos 1990 e 2000, o regime norte-coreano importou cientistas saídos das ex-repúblicas soviéticas, que começaram a ruir a partir de 1991. Esses cientistas nucleares levaram o país a dominar a tecnologia da qual dispõe hoje, para fabricar ogivas atômicas e lançá-las com mísseis balísticos capazes de chegar até os EUA.
É nessa linha do tempo e nesse contexto que se insere o diálogo entre os dois países em Panmunjom em 2018. A razão manifesta, entretanto, é bastante mais prosaica: norte-coreanos e sul-coreanos discutirão uma possível participação do lado comunista na Olimpíada e Paralimpíada de Inverno, que ocorre na cidade sul-coreana de Pyeong Chang, de 9 a 25 de fevereiro.

Agenda aberta e agenda oculta

O sinal verde para o encontro partiu do líder norte-coreano, Kim Jong-un, em seu discurso de Ano Novo, na virada de 2017 para 2018.
Num mesmo pronunciamento, ele disse que se considerava “aberto ao diálogo” com o sul, mas advertiu que mantinha na mesa de trabalho o botão capaz de acionar o arsenal nuclear do país. A fala deu o tom que domina essa janela de oportunidade, situada entre a esperança de paz e a desconfiança mútua.
O “episódio do botão” tornou-se conhecido também pela réplica do presidente dos EUA, Donald Trump, que, em Washington, disse que tinha “um botão maior” que o de Kim Jong-un.
A capacidade militar norte-coreana faz com que muitos países temam o risco de ataques a suas delegações, durante os jogos, na Coreia do Sul. Por isso, discutir uma agenda comum durante a Olimpíada é importante, como parte de uma estratégia de distensão.
Os sul-coreanos se mostraram dispostos a financiar a participação dos vizinhos do norte nos Jogos, como sinal de abertura, boa vontade e disposição para a cooperação. Por causa do programa nuclear, a Coreia do Norte é um dos países mais sancionados do mundo, o que dificulta a entrada de bens e de serviços no país.
77%
Dos sul-coreanos são favoráveis à participação dos norte-coreanos nos Jogos de Inverno, de acordo com o Realmeter
54%
Dos sul-coreanos acham que seu próprio governo deveria financiar a participação dos norte-coreanos nos Jogos de Inverno, de acordo com o Realmeter
Além da ajuda financeira, há propostas ainda mais ambiciosas, envolvendo os Jogos. Uma delas é sobre a possibilidade de que delegações dos dois países desfilem juntas nas cerimônias de abertura e de encerramento.
Além disso, os dois países podem discutir até mesmo a possibilidade de que, em algumas categorias, sul-coreanos e norte-coreanos compitam como membros do mesmo time.
Essa, porém, é a agenda pública do diálogo. Enquanto isso, temas mais sensíveis vêm sendo tratados nos bastidores. Um desses temas é a possibilidade de promover a reunificação de famílias separadas pelo conflito de 1950-1953, que vivem dos dois lados da fronteira.
A outra possibilidade é a de que a Coreia do Sul possa – a despeito do embargo e das sanções – concretizar o envio dos US$ 8 milhões que havia prometido ao norte, por meio da Unicef, a agência das Nações Unidas que cuida de crianças e adolescentes no mundo.
Por fim, há outras duas teorias sobre a real motivação do norte para o encontro. Uma delas diz respeito a uma estratégia atribuída a Kim de, ao se aproximar do sul, deixar de lado Trump, que é percebido como um ator indesejado nas negociações.
Há também uma teoria mais desconfiada, que é a de que, no fundo, com esse diálogo, a Coreia do Norte só quer ganhar tempo enquanto, na verdade, acelera seus testes de mísseis balísticos e de ogivas nucleares.

O trágico antecedente de 1988

Em 1988, a Coreia do Sul sediou a Olimpíada (não a de inverno, mas a de verão, a convencional).
Um ano antes, em 1987, dois agentes secretos norte-coreanos plantaram uma bomba dentro do voo 858 da Korean Air que fazia o trajeto de Bagdá para Seul, com escala nos Emirados Árabes.
O avião explodiu em pleno voo, matando 115 pessoas. O episódio acentuou o distanciamento entre os dois países e ajuda a explicar parte do temor com os Jogos de Inverno que se aproximam.

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