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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

“Jedi” virou “Kane”: a infantilização da cultura chega ao auge, por André Barcinski.


15/01/2018 05h59

Amo a cultura pop e passo a maior parte de minha vida profissional escrevendo sobre ela. Diferentemente de muitos, nunca vi gravadoras, estúdios e editoras como vilões, mas como pilares de uma indústria cultural que deu ao mundo grandes discos, filmes e livros. Não acho que arte e comercialismo sejam excludentes (basta lembrar que “O Poderoso Chefão”, um dos maiores filmes já feitos, foi uma superprodução de grande apelo comercial).
Entender a necessidade de lucro da indústria, no entanto, não significa elevar tudo que ela produz a status de grande arte.
Quando leio críticos discorrendo sobre os “tons anticapitalistas” de “Star Wars: Os Últimos Jedi” ou defendendo indicações de “Mulher Maravilha” ao Oscar, é sinal de que muitos estão confundindo sucesso comercial com qualidade artística.
Não vou entrar no mérito dessas opiniões. Se alguém quer acreditar que a Disney, dona da Lucasfilm, fez um libelo contra o capitalismo, ótimo. Só peço duas coisas: a primeira é me avisar quando a Disney doar para cineastas independentes de Cuba o 1,2 bilhão de dólares de bilheteria de “Os Últimos Jedi”. A segunda é admitir que, se “Jedi” é contra o capitalismo, então “A Escolinha do Professor Raimundo” é um manifesto pela diversidade na educação e “Curtindo a Vida Adoidado” é apologia anarquista.

Essa tentativa de legitimar artisticamente produtos ultracomerciais é o último passo num processo de infantilização que já domina quase totalmente a indústria cultural.
Cada vez mais, são produzidos filmes, séries, discos e livros que apelam indiscriminadamente a um público que varia de crianças de 12 anos a adultos de 40.
E está dando certo: mais da metade dos livros adolescentes (“Harry Potter”, “Jogos Vorazes”) são lidos por adultos; séries como “Stranger Things” apelam tanto a jovens quanto a quarentões nostálgicos pelos anos 80, e filmes como “Os Últimos Jedi” atraem aos cinemas crianças e adultos. E não podemos esquecer dos livros de colorir para adultos – que, felizmente, parecem estar em declínio.
Não estou criticando adultos que consomem produtos adolescentes. Acho sensacional levar meus filhos pequenos ao cinema e vê-los lendo “Harry Potter”. O problema é quando “Harry Potter” vira referência literária de toda a família e “Guerra nas Estrelas” ganha ares de sofisticação intelectual.
O processo de infantilização da cultura parece ser irreversível. Muitas pessoas que hoje estão no comando de estúdios, gravadoras e editoras têm entre 40 e 50 anos e cresceram num mundo em que a referência de grande cinema era “Guerra nas Estrelas”. E “Guerra nas Estrelas”, sinto informar, não é “Cidadão Kane” ou “Rashomon”.
Caso seu negócio seja música pop, faço outra comparação: os discos do Kiss são divertidíssimos e fizeram parte da vida de muita gente (inclusive da minha), mas as letras de Paul Stanley não podem – e nem devem – ser comparadas às de Bob Dylan, Joni Mitchell ou Leonard Cohen. São universos distintos, apesar de, teoricamente, habitarem a mesma seara do pop comercial.
A qualidade de filmes, discos e livros cai ano após ano, e as razões são muitas: a padronização de temas e estruturas narrativas; o aniquilamento da crítica e sua substituição por Youtubers jabazeiros; a formatação de conteúdo por meio de algoritmos e pesquisas de mercado; o declínio do mercado independente de música e livros; a cultura do “blockbuster”; a monopolização do mercado de shows; a falácia da teoria da “cauda longa” (que levou muita gente a acreditar na democracia digital como pilar do ecletismo cultural) e, por fim – e mais triste – a constatação de que o público, mais que nunca, só quer mais do mesmo.

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