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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A história oculta dos jogos de esquerda, por Antonio Martins.



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Elizabeth Magie, a criadora de “Banco Imobiliário”, via no jogo uma forma de denunciar injustiça da gentrificação
Ela começa — acredite! — com a primeira versão de Banco Imobiliário. Passa por tabuleiros feministas está presente no Brasil contemporâneo
Por Antonio Martins
Todo bom jogo — dos esportivos aos de mesa — é uma metáfora da vida; portanto, a criação das regras promove certos valores e desestimula outros, numa espécie de luta de classes (e de projetos de futuro) simbólica. Um texto publicado há dias no excelente site norte-americano Truthout  conta a história pouquíssimo conhecida dos jogos orientados por ideias de esquerda. Conhecê-la é ainda mais importante numa época em que as gerações novíssimas são permanentemente convidadas a um mundo paralelo de games eletrônicos, vistos às vezes como mais interessantes que a vida social…
Assinado por Brian Van Slyke, o texto de Truthout traz, desde o início, revelações provocadoras. Tome, por exemplo, o jogo brasileiro Banco Imobiliário, É uma versão do norte-americano Monopoly, produto emblemático da indústria cultural, que correu o mundo e influenciou adolescentes e jovens por décadas. Em sua versão mais conhecida, estimula os participantes a ganhar dinheiro com a especulação imobiliária e, em especial, a derrotar outros amigos empenhados na mesma batalha insana.
O texto de Brian revela, com base em longa pesquisa: a versão original de Monopoly foi criada no início do século passado, por uma norte-americana quaker interessada precisamente em… denunciar a devastação social provocada pela gentrificação e pelas atitudes egoístas. Chamava-se Elizabeth Magie.
Didática, Elizabeth chegou a criar duas regras, para o mesmo tabuleiro. Numa delas, todos os participantes beneficiavam-se, quando havia criação de riqueza social. Na outra, que acabou capturada e prevaleceu, impera a lei de cada um contra todos. Mas os objetivos da criadora eram claros: “É preciso deixar as crianças perceberem claramente a enorme injustiça de nosso sistema imobiliário atual. Quando crescerem, se puderem desenvolver-se naturalmente, o mal será rapidamente remediado”, escreveu ela.
Hoje, a crítica aos valores capitalistas, cada vez mais presente nas novas gerações, levou um grupo de ativistas, ao qual está ligado o próprio autor da matéria no Truthout, a criar Co-opoly, o “Jogo das Cooperativas”. Ele pode ser encontrado aqui.
É também do início do século 20 (1909) o curiosíssimo Suffragetto. Inventado pela União Social e Política das Mulheres Britânicas (WSPU), relaciona-se à luta feminista pelo direito ao voto (sufrágio). Num tabuleiro semelhante ao de xadrez e damas, opõe dois grupos: o das mulheres reivindicantes e o dos policiais que as reprimiam nas ruas. O objetivo é capturar a base adversária. Uma cópia do jogo original foi recentemente descoberta e está exposta na Universidade de Oxford. É possível imprimi-lo e jogá-lo.
Última cópia da versão original do feminista Sufragetto. Agora, é possível novamente conhecer as regras, imprimir o jogo e praticá-lo
Última cópia da versão original do feminista Sufragetto. Agora, é possível novamente conhecer as regras, imprimir o jogo e praticá-lo
Bem mais recente é o jogo Luta de Classes. Criado em 1978 por Bertell Ollman, professor na Universidade de Nova York, tem particularidades interessantes. Os jogadores ficam sabendo no início, por um lance de dados, se serão burgueses ou trabalhadores. Os capitalistas recebem, de partida, vantagens — fazem o lance inicial e podem paralisar os oponentes, imputando-lhes dívidas. Mas os trabalhadores têm a oportunidade de contra-atacar — formando sindicatos, organizando greves, unindo-se em torno de temas como igualdade étnica e de gênero.
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A tradição de jogos questionadores e críticos está presente também no Brasil. Um de seus expoentes é o ativista Guilherme Cianfarini. Há cerca de dez anos, ele inventa jogos como Brasil — um País de Tolos (que expõe o sequestro da democracia pelas grandes corporações) e A Conta da Copa é Nossa (que mergulha os jogadores na alienação das obras urbanas tocadas sem relação alguma com as necessidades da população, porque presididas pelo interesse do esporte-espetáculo e das empreiteiras).
No mercado, a grande maioria de jogos (e de games eletrônicos) propõe valores como a guerra, a conquista, a violência a vitória individual, o lucro. Mas a história oculta dos “jogos de esquerda” revela uma brecha a ser ocupada no terreno decisivo da ética — e em especial entre as pessoas que começam a se socializar. É uma fronteira aberta, na luta por uma nova sociedade.

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