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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Sobre as evidências da tese do ressentimento da classe média, por Luís Felipe Miguel.





Na Folha de hoje, Celso Rocha de Barros critica a ideia de que um dos combustíveis para a mobilização contra Dilma foi o ressentimento da classe média - ressentimento ao ver os pobres chegando aos lugares que eram exclusividade sua, como os aeroportos ou o ensino superior. Ele ilustra com o livro de Jessé Souza sobre o golpe do ano passado, embora assinalando que a "tese do ressentimento da classe média" frequenta várias análises de intelectuais e ativistas progressistas. Mas, na "falta de evidência empírica sistemática", a tese seria apenas "autocondescendência da parte da esquerda".
Parece que, para Barros, a única evidência empírica sistemática aceitável seria algum tipo de survey. Sem repisar aqui os limites dessa metodologia, cabe indicar que há, sim, evidência empírica suficiente para afirmar que aquilo que ele rotula como "ressentimento" - e eu prefiro chamar de inconformidade da classe média com a redução da distância que a separava dos mais pobres - teve papel relevante na mobilização a favor do golpe. Como ocorreu, aliás, em momentos anteriores de nossa história.
As grandes manifestações pela destituição da presidente tiveram, como um de seus eixos discursivos principais, a repulsa aos programas de inclusão social, na forma da defesa da "meritocracia", da denúncia dos "vagabundos" e do saudosismo manifestado em frases como "eu quero meu país de volta". Desde o início, foi algo central no discurso das lideranças das mobilizações, tanto entre os movimentos de proveta (MBL, Vem Pra Rua etc.) quanto entre os jornalistas da televisão - e também em alguns parlamentares, como Ronaldo Caiado. Quem foi às ruas se sentiu sensibilizado por esse discurso ou, no mínimo, não ficou incomodado com ele. Isso indica, com clareza, o desconforto com a possibilidade de maior igualdade social. Bem melhor, aliás, do que um survey que perguntasse aos manifestantes a favor do golpe se "você está ressentido/a com o progresso material dos pobres"...
A redução da distância social implica prejuízos simbólicos e materiais. Significa que começa a escassear a mão de obra que estava disponível a preço vil, beneficiando esta classe média nos serviços domésticos e pessoais (cabeleireira, jardineiro etc.). Significa que as vantagens comparativas que ela imaginava legar para seus filhos, em particular com o ensino superior, deixam de ser tão marcantes. Há mais, portanto, do que o mero aborrecimento com filas e aglomerações, à la Ortega y Gasset.
Não por acaso, a possibilidade de mobilização política deste desconforto ou ressentimento dependeu de um trabalho prévio de demolição da noção de solidariedade social que fundamentava o consenso - ao menos da boca pra fora - sobre a necessidade de construir um Brasil mais justo. Este foi o grande trabalho ideológico da direita nos últimos tempos.
Uma das apostas do PT foi que, se o preço a pagar fosse bem baixinho, as elites gostariam de ter um país um pouco mais civilizado. Mesmo que fosse só para não passar vergonha no exterior. Mas não é nada disso. A "modernidade" da elite brasileira deu um balão no iluminismo e se afirma como um híbrido de senhor de escravos e nouveau riche. Está à vontade em meio às chacinas, à fome, ao desespero. Seu sonho é ter um Romero Britto na parede e uma senzala no quintal. E a classe média olha para ela como se fosse seu farol.

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